quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Crítica Cinema: O LUTADOR - THE WRESTLER


O LUTADOR - THE WRESTLER

O lutador (the wrestler) já seria um filme excepcional sem a presença de Mickey Rourke. O conteúdo, auxiliado bela ótima estrutura do roteiro, cria uma aura que dá uma beleza estética quase rústica. Existe alma, existe poesia, uma poesia urbana e controversa. Rourke, no entanto, despe-se e revela coração. Nenhuma obra sobrevive sem o coração do artista. E aqui, são suas palpitações aceleradas que regem a sinfonia de um homem só. Não de um só homem, mas de um homem só. Um solitário, perdido em devaneios e na inabilidade de comungar com o mundo real. Nas semanas posteriores ao Globo de Ouro e nas que antecedem o Oscar, diversas matérias e entrevistas divulgadas pela mídia televisiva, impressa e narrada, retratam a ressurreição do ator que viva em uma espécie de limbo Hollywoodiano desde o início dos anos 90. Comentários foram traçados e um balanço do artista, dele, Mickey Rourke, foi descrito nos mínimos detalhes, por aqueles que sempre o admiraram e por aqueles que aprenderam a admirar sua postura como ator, não como pessoa. Não cabe a mim comparar seu personagem à sua pessoa real. São muitas as semelhanças, é verdade. 

O lutador narra a história de um ídolo da luta-livre que ganhou fama e dinheiro durante os anos 80 e pôs tudo a perder, talvez devido a seu temperamento, talvez devido à sua arrogância, mas principalmente, à sua já citada inabilidade de viver fora dos ringues. A princípio, podemos imaginar que Randy “The Ram” Robinson (Rourke) tenta reestruturar uma carreira decadente, mas isso seria apenas meia verdade. Randy tenta lutar contra um inimigo ainda mais poderoso, que é a decadência do esporte em si. Repleto de fãs e lotando os estádios décadas atrás, a luta-livre hoje vive apenas no mercado underground. É pouco vista, pouco comentada e pouco admirada. Um pequeno número de jovens mostra interesse, apenas os velhos fãs e alguns de seus filhos (claramente incentivados pelos pais) ainda demonstram ânimo pelos espetáculos. Em uma admirável seqüência, o diretor Darren Aronofski nos apresenta de forma crua e direta uma tarde de autógrafos dos gigantes do passado. São poucos os presentes, e as fotos e os autógrafos dados são cobrados pelos próprios lutadores. O dinheiro entra semelhante à caridade e distante à admiração. O papel pode ser a ressurreição do ator. Ainda antes do Oscar ele já assina contrato com três outros filmes, inclusive a seqüência de Homem de ferro (iron man). Talvez Jon Favreau tenha achado curioso pôr Robert Downey Jr. e Mickey Rourke frente a frente. Dois atores que quase perderam suas carreiras por razões semelhantes e que agora retornam ao topo. Se a volta ao topo será verdadeira isso só o tempo dirá. Mas analisando apenas este filme, este papel e este personagem, devemos apenas agradecer à interpretação sublime e verdadeira do ator. Randy, ao contrário do ator que o interpreta, não alcança a fama. Ele já é famoso, e ainda é querido no meio que atua, ao contrário de Rourke. Randy permanece onde está do início ao final dos 110 minutos de filme. Aliás, em dados momentos parece que sua vida ainda se deteriora. Mas a vida não é assim mesmo? Depois de uma certa idade, vamos perdendo um pouco, dia após dia. Graças à câmera precisa e introspectiva de Aronofski, notamos um homem que não aparenta felicidade ou tristeza, apenas aceita o que a vida lhe propôs e aceita perder privilégios graças aos erros cometidos por ele próprio. Paralelo à sua existência, a stripper Cassidy (Marisa Tomei) vive situação semelhante. A idade pesa e sua força nas barras não é mais a mesma. As jovens assumem os clientes com quem antes ela passava as noites nas salas de dança privada. Cassidy, assim como Randy, tem extrema dificuldade em separar a rotina da boate com a rotina das ruas. Tendo como regra não se relacionar com clientes, ela também desperdiça sua vida pessoal pelos princípios traçados no trabalho. Cassidy, no entanto, têm ambições. Randy, por sua vez deseja apenas lutar. Devo, talvez, fazer uma pequena correção relacionada ao início de minha coluna. Randy não tem inabilidade ao lidar com o mundo real, ele não lida. Apenas compreende o que está no ringue. Parece que seu relacionamento, quase platônico, com Cassidy define seu único momento de compreensão da possibilidade de uma vida fora dos ringues. Não é apenas a câmera, a humanidade dos personagens (Marisa Tomei está fabulosa) e a criatividade de Aronofski que fazem o filme. Todos os elementos se unem para criar uma obra de unidade perfeita. A utilização do som e da trilha sonora são recursos de extrema importância. A respiração ofegante de Mickey Rourke e seus trejeitos labiais adentram nossa percepção a ponto de entrarmos na vida do personagem e sentirmos sua solidão. A trilha sonora vai ainda mais longe. Repleto de sucessos do Heavy Metal e de suas vertentes (blacktrash e gloom), as músicas retratam uma época diferente. As calças apertadas, as cores vivas, os excessos de luz, um momento onde homens cuidavam de sua aparência, assim como cuidam as mulheres. Cabelos tingidos, corpos depilados, roupas andrógenas, tudo pelo espetáculo. No início dos anos 90, esta tendência mudou radicalmente, principalmente devido à chegada do Grunge. Randy xinga Kurt Cobain em uma conversa de bar “por que apareceu um sujeito que dizia ser proibido se divertir?”. Sweet child o’mine, última canção do filme, tem uma simbologia clara. O Guns N’Roses foi a última das bandas a usar collant. E o mundo dos espetáculos, foi desaparecendo e dando espaço para o novo. E no novo, a luta-livre não tem espaço. As roupas extravagantes e os golpes mirabolantes não têm repercussão. Randy viveu os bons momentos, para ele, por essa razão, é ainda mais difícil admitir que o tempo passou. Em um belo discurso, ele diz para seus fãs “disseram que eu não poderia mais lutar, que deveria me aposentar. São vocês que vão decretar a minha aposentadoria. Vocês são a minha família”. Com Randy, morre toda uma geração. Mas ele leva a luta até o fim. Vive seu sonho particular. E, apesar de terminar da maneira amena como começou, ele triunfa. O que, no final do dia, é o que realmente importa. Darren Aronofski, Marisa Tomei e companhia nos presenteiam com o melhor filme do ano até então. Para Mickey Rourke, eu preciso dizer pessoalmente: obrigado por um dos maiores momentos do cinema visto nos últimos anos.


José Vicente
Zé Vicente é formado em cinema pela FAAP, trabalha com roteiros de curtas-metragens e dá aula de história do cinema para jovens e membros da terceira idade na instituição ASSA. email: josevic_taddeo@yahoo.com.br

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