Crítica Cinema: STEVEN SODERBERGH - Che
STEVEN SODERBERGH
Nosso colunista de cinema analisa a carreira e obras do diretor Steven Soderbergh e sua ultima produção: CHE
Dinamismo e versatilidade talvez sejam as duas palavras que melhor definam o perfil de Steven Soderbergh. O cineasta norte americano já permeou pelo cinema artístico, o convencional, as grandes produções, o experimental e o clássico e, invariavelmente, conseguiu bons resultados em todos eles. Não é um artista de grandes bilheterias nem mesmo um colecionador de prêmios. Mas alcançou as nove cifras com sua franquia Onze homens e um segredo (Ocean’s eleven) e tem em sua estante a Palma de ouro do festival de Cannes e um Oscar. Louvável para alguém que sempre segue o rumo contrário à lógica. Steven Soderbergh revelou-se ao mundo ainda jovem. Com 26 anos, levou para Cannes seu primeiro longa metragem: Sexo, mentiras e videotape (sex, lies and videotape). O filme causou alvoroço e admiração lhe rendendo a honra máxima. Utilizando atores medianos (James Spader e Peter Gallagher) e a talentosa Andie McDowell, esta mistura de película e VHS, quase um pioneirismo no cinema paralelo ao mercado pornográfico, exaltou a indiferença e a maneira como é tratada a intimidade na era da alta tecnologia. Quando o cinema busca a superficialidade de relacionamentos procura como inspiração a década de 50.
Dinamismo e versatilidade talvez sejam as duas palavras que melhor definam o perfil de Steven Soderbergh. O cineasta norte americano já permeou pelo cinema artístico, o convencional, as grandes produções, o experimental e o clássico e, invariavelmente, conseguiu bons resultados em todos eles. Não é um artista de grandes bilheterias nem mesmo um colecionador de prêmios. Mas alcançou as nove cifras com sua franquia Onze homens e um segredo (Ocean’s eleven) e tem em sua estante a Palma de ouro do festival de Cannes e um Oscar. Louvável para alguém que sempre segue o rumo contrário à lógica. Steven Soderbergh revelou-se ao mundo ainda jovem. Com 26 anos, levou para Cannes seu primeiro longa metragem: Sexo, mentiras e videotape (sex, lies and videotape). O filme causou alvoroço e admiração lhe rendendo a honra máxima. Utilizando atores medianos (James Spader e Peter Gallagher) e a talentosa Andie McDowell, esta mistura de película e VHS, quase um pioneirismo no cinema paralelo ao mercado pornográfico, exaltou a indiferença e a maneira como é tratada a intimidade na era da alta tecnologia. Quando o cinema busca a superficialidade de relacionamentos procura como inspiração a década de 50.
Soderbergh aborda o assunto no final dos anos 80 e mostra que pouca coisa mudou. Este talvez seja seu grande legado. Consagrado e com um futuro brilhante pela frente, o passo mais lógico seria assumir um projeto seguro para fortalecer seu nome. Mas como dito acima, a lógica não faz parte da vida de Soderbergh. Dois anos depois surge Kafka (idem). Obviamente, estamos falando de uma biografia de Franz Kafka, escritor extraordinário autor de obras de peso como A metamorfose e O processo. Esta biografia, no entanto, nada tem de comum. Durante seus 98 minutos de duração, é narrado um trecho de sua vida: seus problemas de saúde e sua difícil fase conjugal, ou quase conjugal. No contexto geral, a trama é brilhante: Kafka torna-se um investigador que descobre uma conspiração onde médicos fazem experiências ilegais em pacientes vivos. Este suspense com pitadas de ironia é jogado em uma plástica expressionista que mostra, não só o talento de Soderbergh como cineasta, como seu conhecimento no mundo da sétima arte. O título não existe em DVD (pelo menos não no Brasil) e dificilmente é encontrado em VHS. Se tiver como acessa-lo faça-o: é um grande achado. É claro que Kafka passou despercebido. Uma pena. O inventor de ilusões (king of the hill) de 1993 foi um pouco frustrante. Esta fábula narrada de forma mais convencional tem momentos comoventes, mas em pouco se aprofunda. O vínculo com o protagonista é frágil, o garoto revela-se pouco carismático e distancia-se o seu sofrimento. Como curiosidade, foi um dos primeiros trabalhos de Adrien Brody, vencedor do Oscar por O pianista (the pianist). Obsessão (underneath) também não faz jus ao talento de Soderbergh. O belo visual, provando seu talento com a câmera, não camufla o roteiro confuso e desinteressante. Mas foi um aprendizado para o que viria a seguir. George Clooney se desprendia do papel de galã televisivo desde Um drinque no inferno (from dusk till dawn). E com Irresistível paixão (out of sight) ele confirmava-se como bom ator. A simples história da policial que se apaixona por um inteligente e cativante ladrão é explorada de forma tão suave e sensual que fica difícil acreditar que Clooney e Jennifer Lopez estejam apenas atuando. A beleza dos contrastes e do silêncio valeu ao diretor o reconhecimento da associação dos críticos de Nova Iorque. Voltando ao experimentalismo, O estranho (the limey) é repleto de curiosidades. A câmera é firme e os enquadramentos simples. No aspecto da montagem e dos planos externos, nota-se a mão do diretor. Terence Stamp, desaparecido do bom cinema desde os anos 80, retorna e hoje firma-se como ator de comédias de gosto duvidoso. Mas neste filme em particular, revive seu brilho iniciado nos anos 60 e 70. Soderbergh buscou imagens antigas do ator para inserir entre os atos, revivendo um personagem que nunca existiu. A seqüência onde Stamp é expulso de uma casa e retorna para matar a todos vale o ingresso. Em um único take, sem mostrar um tiro, uma gota de sangue ou outro personagem além de Stamp, o diretor demonstra, em intensidade, porque é um dos mais completos cineastas do mundo. O ano de 2000 foi, em matéria de reconhecimento, o grande ano de Soderbergh. Foram duas indicações ao Oscar como diretor: uma por Erin Brockovich – uma mulher de talento (Erin Brockovich) e outra por Traffic (idem), que lhe valeu o prêmio. Utilizando linguagens praticamente opostas, em Erin Brockovich o diretor explora um visual descritivo. O que importa em cena é a personagem de Julia Roberts (muito bem no papel): suas convicções e princípios pessoais, suas aspirações, sua luta e principalmente sua personalidade. Mas ele se faz notar. Em um determinado momento, ocorre um leve acidente de carro. E é visualmente óbvio que quem está a dirigir é a própria Julia Roberts. Somente um diretor de seu cacife convenceria uma atriz de nome a se submeter a algo do gênero. Como uma somatória geral, Traffic é mais interessante. Um filme poderoso. Divido em três locais diferentes: México, Ohio e San Diego, Soderbergh orquestra uma obra complexa e sem furos sobre a luta legal (policiais e políticos), ilegal (policiais corruptos e traficantes) sobre o problema das drogas desde o menos afortunado traficante ao mais rico exportador. E as vítimas de todas as classes sociais. Michael Douglas, Catherine Zeta-Jones, Don Cheadle e Benicio Del Toro complementam em carne e osso o conjunto extraordinário. As imagens em Ohio pendem para o azul, as do México para o amarelo e as de San Diego têm cores tão intensificadas que doem nos olhos. Os contrastes entre as partes fortificam a experiência. Uma câmera quase aleatória que procura o ponto certo da ação como se divergindo entre o certo e o errado, o honesto e o corrupto, que às vezes estão dentro do mesmo personagem. Quase que monitorando as fronteiras, Soderbergh aponta a facilidade de ir para o México e a burocracia de entrar nos EUA em um momento divino. Tudo o que foi dado à equipe desta obra-prima foi acertado. Era o momento de um devido descanso. E este surgiu na idéia da refilmagem de Onze homens e um segredo (Ocean’s eleven) clássico dos anos 60 que reunia um trio de respeito: Frank Sinatra, Dean Martin e Sammy Davis Jr. Em relação ao original, apesar do desfecho espirituoso, falta muito para se dizer que estamos diante de uma trama interessante. Esta foi, possivelmente, a razão pela qual Soderbergh tenha se apoiado para se dedicar a tal tarefa. Afinal de contas, a refilmagem só deve ser concebida quando o original é, no caso, uma ótima idéia mal realizada. Reunindo um elenco brilhante: George Clooney, Brad Pitt, Andy Garcia, Matt Damon e Julia Roberts (para citar alguns), a trama é repleta de ironia e sarcasmo e situações improváveis (para não dizer impossíveis) que se revelam hilárias diante das improvisações e da câmera inquieta. Foram 180 milhões de renda somente em solo norte americano. Posteriormente, a carreira de Soderbergh deu uma guinada menos interessante que seu início. Full frontal (idem) foi curioso no aspecto de auxiliar película e tecnologia digital, mas não apresentou nada de novo. Depois, novamente à frente de uma refilmagem (apesar de o original ser baseado em um famoso livro de ficção científica) Solaris (idem) tem alguns méritos. É menos longo e mais interessante sob o ponto de vista da vida conjugal do personagem principal (vivido aqui por Clooney) em relação à versão de Andrei Tarkovsky. Mas perde, e muito, na profundidade e reflexão. Um filme desnecessário, eu diria. Talvez, pela primeira vez em sua vida, Soderbergh temeu estar entrando em um momento delicado e perigoso e resolveu fazer uma aposta segura. Doze homens e outro segredo (Ocean’s twelve) alcançou a marca dos 100 milhões. Mas é, sob o ponto de vista artístico, um desastre. Bubble (idem) surge para, de maneira extremamente modesta, apagar esta imagem. Toda a neutralidade que Gus Van Sant buscou em Elefante (elephant) e não conseguiu pode ser vista neste pequeno grande filme. Utilizando atores amadores, câmera simples e montagem correta, o distanciamento das imagens cria um mal estar terrível no espectador que culmina com um final quase teatral e ao mesmo tempo inevitavelmente cinematográfico. Aqui, o diretor revoluciona e Bubble torna-se o primeiro filme a ser lançado em DVD e nos cinemas ao mesmo tempo. O segredo de Berlim (the good german) tem imagens belíssimas e, sob todos os outros aspectos, é totalmente descartável. Treze homens e um novo segredo (Ocean’s thirteen) não é tão interessante quanto o primeiro, mas fecha bem a franquia apagando a mediocridade do anterior. Aqui, sem surpresas: tudo o que é dito é realizado de tal forma, sem reviravoltas. Esta, talvez, seja a surpresa em si.
Esta longa introdução foi feita para que você leitor adentre o universo de Steven Soderbergh e possa saborear seu novo trabalho: Che (idem). Sim, é mais um filme sobre Che Guevara. Desta vez, no entanto, ocorre um cuidado e uma minúcia em detalhes tão grande que surge (para talvez um dos dez rostos mais conhecidos em todo o mundo) uma nova imagem do guerrilheiro. Não é mais um barbudo de boina estampado em camisetas. É o ser humano, interpretado de forma perfeita por Benicio Del Toro. Dividido em duas partes, a segunda ainda é inédita no Brasil. Posso, então, analisar este primeiro momento. Existe um caráter documental na linguagem, mas não há um cuidado extremo em interligar as partes de forma linear. O que é ótimo. Vivemos sua vida em momentos, às vezes subseqüentes, às vezes distanciados. Acompanhamos a fase da guerrilha (até o momento da tomada da cidade de Santa Clara) entre 1956 e 1959 e sua visita à Nova Iorque em 1964. A entrevista e seu discurso na ONU. Seus problemas de saúde, seu lado cruel e a tentativa de justiça entre seus semelhantes se destacam. Utilizando um preto e branco granulado e um distanciamento que se contrapõe a uma aproximação quase invasiva nas imagens de 1964, Soderbergh recria um momento único na história de Cuba e da política mundial. Alguns acusam de ser uma obra pró Che. Como não sou entusiasta de sua vida e convicções, diria que estão errados. Aqui é narrado o que pouco se sabe. O guerrilheiro intelectual, médico formado de classe média que se depara com a vida rural e miserável de um país entregue a uma ditadura. A luta armada seria a única solução? Talvez não. Mas como analisar isto agora? Curiosamente, Che não defende este aspecto, apenas ressalta que, no resto do mundo, na mesma ocasião, ocorriam atrocidades maiores que hoje foram esquecidas ou são ignoradas. Nesta primeira etapa, também é destaque seu relacionamento e respeito (mútuo) por Fidel Castro. Utilizando uma câmera de guerrilha (que lembra Filhos da esperança) Soderbergh também agrada aos fãs de guerra. Mesmo os momentos irrelevantes fortificam a obra como um todo.
Aguardo a segunda parte ansioso.
Aguardo a segunda parte ansioso.
José Vicente
Zé Vicente é formado em cinema pela FAAP, trabalha com roteiros de curtas-metragens e dá aula de história do cinema para jovens e membros da terceira idade na instituição ASSA. email: josevic_taddeo@yahoo.com.br
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